segunda-feira, 5 de maio de 2014

"É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. 
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. 
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. 
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. "

Miguel Esteves Cardoso

domingo, 4 de maio de 2014

Já foram algumas as vezes em que estive aqui, onde me encontro hoje. Tenho orgulho em dizer que em todas elas me levantei. E espero que todos os problemas que eu tenha na vida sejam desta natureza. Ainda assim, minorizando o que acontece, dói. É uma dor que não se consegue explicar muito bem. Uma perda com a qual se tem de lidar. Quando nos afeiçoamos às pessoas nunca pensamos que elas possam sair da nossa vida, um dia. Conscientemente sabemos que essa é uma possibilidade, mas queremos tanto que elas fiquem connosco que chutamos isso para canto... Na altura, quando isso acontecer, logo se vê. Se assim não fosse, se não agissemos assim, estaríamos a perder oportunidades de sermos felizes, deixando de pensar no hoje para viver o amanhã. Um amanhã que nunca sabemos se vai acontecer. 
Aconteceu. Hoje.
Neste momento a minha cabeça está confusa e o meu coração só pede que o tempo passe, depressa. Todos nos queixamos do tempo... ele passa demasiado rápido... Mas ele alivia as dores. Ele traz-nos outras vivências, outros momentos, outras pessoas, outras coisas. Ele faz-nos olhar para trás e pensar orgulhosamente "Eu consegui ultrapassar mais este empurrão da vida!". 
Não... Hoje não sinto que consiga ultrapassar nada. Sinto-me pequenina, diminuída, com vontade de adormecer e só acordar daqui por 1 ano. O meu coração pensa que nada disto devia estar a acontecer. Mas ele sabe... ele sabe tão bem... que a dor que sente um dia não vai ser mais dor. 
Já foram algumas as vezes em que estive aqui... e tenho orgulho em dizer que em todas elas me levantei. Agora também me vou levantar. E assim vai ser de todas as vezes que a vida me puser pra baixo. Sempre encarei a vida de frente, apesar das minhas fraquezas. Sempre encontrei um motivo para seguir. Porque há sempre um motivo para seguir... não é preciso ser muito grande. Ás vezes é bem pequenino, mas está lá. 
Eu vou seguir, como sempre segui... e o motivo não é pequenino. O motivo sou eu.